Guará era pouco mais que um menino quando desembarcou em Belo Horizonte para brilhar no Clube Atlético Mineiro. Tinha dezesseis anos. O menino amou o esporte desde a primeira vez que pisou num campo de pelada. Mas encontrou resistências. Miguel Januzzi, pai de Guará, se valia de argumentos sonoros para desencorajar o filho. Muitas vezes tirou o cinto e castigou o garoto diante de todo mundo. Queria deixar claro que ele nunca seria jogador de futebol. Miguel estava errado.
Guará chegou ao Galo pelas mãos de um sócio do Atlético, Lafaiete Maia. Maia viajava a trabalho por todo o estado de Minas. Sempre que chegava em alguma cidade, procurava saber da existência de jogadores de destaque no futebol local. Em Ubá, Zona da Mata, soube de um atacante do Aimorés que, segundo lhe contavam, não apenas fazia chover: quando inspirado, provocava vendavais e inundações. Seu nome? Guaracy Januzzi, o Guará.
Com o tempo, Miguel Januzzi, que era sapateiro, se rendeu à arte do filho. Quando o emissário do Atlético procurou a família Januzzi com uma proposta de contrato para Guará, Miguel não se opôs à idéia.
Guará foi o primeiro a ocupar o dormitório construído sob as arquibancadas da rua Rio Grande do Sul. Dali em diante, aquele alojamento foi moradia de centenas de meninos aspirantes ao futebol do Atlético. Quase quarenta anos depois, em 1971, chegaria outro grande gênio, desta vez de Ponte Nova para viver no mesmo dormitório e jogar no Atlético. Reinaldo, foi um dos últimos atletas a viver no alojamento do estádio de Lourdes - já então um lugar velho e decadente. Guará foi o primeiro.
Aquele ano de 1933 foi também o primeiro da vigência do profissionalismo no futebol brasileiro. As razões que levaram o presidente do Atlético a apoiar o profissionalismo em Minas eram exatamente as mesmas que levaram os dirigentes mais sensatos do Rio e de São Paulo a pedir a legalização do pagamento de salários aos craques. Naquele tempo, o futebol do Brasil se tornara, sob todos os aspectos, um ilha de amadorismo em meio a um mar de clubes e federações poderosas. Além da Europa, o Uruguai e a Argentina já desde os anos 20 reconheciam as remunerações. O Brasil acabou sitiado: bastava o clube estrangeiro aparecer e fazer uma oferta de contrato para levar o jogador que bem entendesse. O time brasileiro não tinha responsabilidades, mas também não tinha direitos sobre o atleta. O Peñarol do Uruguai levou Leônidas da Silva. O Boca Juniors da Argentina contratou Domingos da Guia. Os dois eram craques da seleção.
Em 1933 o Atlético ainda vivia um momento de adaptação aos novos tempos. Em 1931, perdera Mário de Castro, primeiro ídolo da história do clube, que havia se aposentado. Passaram-se os anos e Guará consagrava-se como o novo grande ídolo de um Atlético vencedor. O time era repleto de grandes jogadores, todos saudados na rua como jogadores do Atlético. Mas nenhum outro tinha o prestígio que se igualasse ao de Guará. Guará é até hoje o maior artilheiro dos clássicos de Minas Gerais. Aos gritos de "Guará-Guará-Guará!", o "Diabo Loiro", como era saudado pela Massa, elevou em 1937 o fortíssimo esquadrão alvinegro ao seu primeiro título nacional, o primeiro da história do futebol profissional do país. Éramos os Campeões dos Campeões!
O time comandado pelo gênio Guará, especificamente no período de 1937 a 1939, teve uma das maiores sequências de invencibilidade da história dos clássicos com 10 jogos. (Oito vitórias e dois empates). Esse time já havia conquistado também o campeonato mineiro em 36 e seria novamente campeão em 38, invicto. E em 1939, levantaria outro bicampeonato. Mas desta vez, e pela única vez na história, a comemoração seria acanhada: naqueles dias, a torcida acompanhava a luta pela recuperação de seu principal jogador. "A fama teve inveja de Guará", escreve Ary Barroso no prefácio do livro "Cabeçada Fatal".
No dia 04 de julho de 1939, o Atlético Mineiro e o Palestra Itália se enfrentavam pela segunda rodada do Campeonato da Cidade. Aos dez minutos de partida Kafunga faz uma defesa e percebe Guará livre e atira a bola em direção ao mestre. Até a grama sabe: bola alta é de Guará. O craque pula. O zagueiro Caieira salta e, com a testa, atinge a nunca do artilheiro. Os dois caem. Caieira se levanta. Guará, não. Guará estava inconsciente. A platéia assiste a tudo no mais amedrontado silêncio. Muitos choram. Guará foi recolhido à enfermaria. Ele permaneceu mais de uma hora desmaiado no ambulatório do estádio de onde foi levado em coma para o Pronto Socorro. Seguindo conselho médico foi transferido, no dia seguinte, para o Hospital São José, onde os fãs faziam fila, rezavam. Mais de 700 pessoas faziam plantão na porta do hospital, à espera de um milagre.
Mais de 72 horas depois, Guará começa a voltar ao mundo. No início da noite, desperta com voz firme, pede café. Em segundos, a notícia se espalha pelo hospital. "Guará pediu café! Guará pediu café!" Horas depois, Belo Horizonte inteira já sabe. "Guará pediu café!" Aos poucos, a consciência volta. O craque estava salvo, mas começava ali um novo calvário. Tentaria voltar aos gramados e ainda faria até alguns gols. Mas, vítima de traumatismo craniano, o gênio Guará nunca mais conseguiu jogar seu futebol, apesar das tentativas. Nunca mais repetiria os dribles brilhantes, as arrancadas infernais, ou a jogada que ele batizou de "Viva São João!". Alguns meses se passaram e Guaracy Januzzi cansou de insistir. E aos 25 anos, aposentou-se. O futebol perdia Guará.
O Diabo Loiro é o quarto maior artilheiro da história do Galo com 168 gols em 200 jogos.
Guará chegou ao Galo pelas mãos de um sócio do Atlético, Lafaiete Maia. Maia viajava a trabalho por todo o estado de Minas. Sempre que chegava em alguma cidade, procurava saber da existência de jogadores de destaque no futebol local. Em Ubá, Zona da Mata, soube de um atacante do Aimorés que, segundo lhe contavam, não apenas fazia chover: quando inspirado, provocava vendavais e inundações. Seu nome? Guaracy Januzzi, o Guará.
Com o tempo, Miguel Januzzi, que era sapateiro, se rendeu à arte do filho. Quando o emissário do Atlético procurou a família Januzzi com uma proposta de contrato para Guará, Miguel não se opôs à idéia.
Guará foi o primeiro a ocupar o dormitório construído sob as arquibancadas da rua Rio Grande do Sul. Dali em diante, aquele alojamento foi moradia de centenas de meninos aspirantes ao futebol do Atlético. Quase quarenta anos depois, em 1971, chegaria outro grande gênio, desta vez de Ponte Nova para viver no mesmo dormitório e jogar no Atlético. Reinaldo, foi um dos últimos atletas a viver no alojamento do estádio de Lourdes - já então um lugar velho e decadente. Guará foi o primeiro.
Aquele ano de 1933 foi também o primeiro da vigência do profissionalismo no futebol brasileiro. As razões que levaram o presidente do Atlético a apoiar o profissionalismo em Minas eram exatamente as mesmas que levaram os dirigentes mais sensatos do Rio e de São Paulo a pedir a legalização do pagamento de salários aos craques. Naquele tempo, o futebol do Brasil se tornara, sob todos os aspectos, um ilha de amadorismo em meio a um mar de clubes e federações poderosas. Além da Europa, o Uruguai e a Argentina já desde os anos 20 reconheciam as remunerações. O Brasil acabou sitiado: bastava o clube estrangeiro aparecer e fazer uma oferta de contrato para levar o jogador que bem entendesse. O time brasileiro não tinha responsabilidades, mas também não tinha direitos sobre o atleta. O Peñarol do Uruguai levou Leônidas da Silva. O Boca Juniors da Argentina contratou Domingos da Guia. Os dois eram craques da seleção.
Em 1933 o Atlético ainda vivia um momento de adaptação aos novos tempos. Em 1931, perdera Mário de Castro, primeiro ídolo da história do clube, que havia se aposentado. Passaram-se os anos e Guará consagrava-se como o novo grande ídolo de um Atlético vencedor. O time era repleto de grandes jogadores, todos saudados na rua como jogadores do Atlético. Mas nenhum outro tinha o prestígio que se igualasse ao de Guará. Guará é até hoje o maior artilheiro dos clássicos de Minas Gerais. Aos gritos de "Guará-Guará-Guará!", o "Diabo Loiro", como era saudado pela Massa, elevou em 1937 o fortíssimo esquadrão alvinegro ao seu primeiro título nacional, o primeiro da história do futebol profissional do país. Éramos os Campeões dos Campeões!
O time comandado pelo gênio Guará, especificamente no período de 1937 a 1939, teve uma das maiores sequências de invencibilidade da história dos clássicos com 10 jogos. (Oito vitórias e dois empates). Esse time já havia conquistado também o campeonato mineiro em 36 e seria novamente campeão em 38, invicto. E em 1939, levantaria outro bicampeonato. Mas desta vez, e pela única vez na história, a comemoração seria acanhada: naqueles dias, a torcida acompanhava a luta pela recuperação de seu principal jogador. "A fama teve inveja de Guará", escreve Ary Barroso no prefácio do livro "Cabeçada Fatal".
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Parte do esquadrão Bi-campeão de 1938/1939, Guará é o terceiro da direita para esquerda. |
No dia 04 de julho de 1939, o Atlético Mineiro e o Palestra Itália se enfrentavam pela segunda rodada do Campeonato da Cidade. Aos dez minutos de partida Kafunga faz uma defesa e percebe Guará livre e atira a bola em direção ao mestre. Até a grama sabe: bola alta é de Guará. O craque pula. O zagueiro Caieira salta e, com a testa, atinge a nunca do artilheiro. Os dois caem. Caieira se levanta. Guará, não. Guará estava inconsciente. A platéia assiste a tudo no mais amedrontado silêncio. Muitos choram. Guará foi recolhido à enfermaria. Ele permaneceu mais de uma hora desmaiado no ambulatório do estádio de onde foi levado em coma para o Pronto Socorro. Seguindo conselho médico foi transferido, no dia seguinte, para o Hospital São José, onde os fãs faziam fila, rezavam. Mais de 700 pessoas faziam plantão na porta do hospital, à espera de um milagre.
Mais de 72 horas depois, Guará começa a voltar ao mundo. No início da noite, desperta com voz firme, pede café. Em segundos, a notícia se espalha pelo hospital. "Guará pediu café! Guará pediu café!" Horas depois, Belo Horizonte inteira já sabe. "Guará pediu café!" Aos poucos, a consciência volta. O craque estava salvo, mas começava ali um novo calvário. Tentaria voltar aos gramados e ainda faria até alguns gols. Mas, vítima de traumatismo craniano, o gênio Guará nunca mais conseguiu jogar seu futebol, apesar das tentativas. Nunca mais repetiria os dribles brilhantes, as arrancadas infernais, ou a jogada que ele batizou de "Viva São João!". Alguns meses se passaram e Guaracy Januzzi cansou de insistir. E aos 25 anos, aposentou-se. O futebol perdia Guará.
O Diabo Loiro é o quarto maior artilheiro da história do Galo com 168 gols em 200 jogos.
Guará-Guará-Guará!
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