sábado, 30 de abril de 2016

NOTA DO CRÔNICAS ALVINEGRAS - "UMA INTRODUÇÃO À VIDA NÃO FASCISTA" - SOBRE O POVO E O FUTEBOL





NOTA DO CRÔNICAS ALVINEGRAS - "UMA INTRODUÇÃO À VIDA NÃO FASCISTA" - SOBRE O POVO E O FUTEBOL
Não existe futebol sem povo. Não existe Galo sem massa.
É imprescindível para o atleticano e para qualquer amante do futebol, antes de qualquer coisa, parar para refletir sobre algumas questões.
Sobre a luta ANTIFA no mundo contemporâneo, deve-se entender que é um conceito que diz respeito ao campo intelectual e prático. Intelectual no sentido de que é um conjunto de reflexões que devem partir do indivíduo, buscando perceber no mundo quais seriam as formas de fascismo presentes na sociedade. No campo prático, como provoca o filosofo francês Michel Foucault, a luta antifascista deve "desdobrar suas forças na esfera política e se intensificar no processo de reversão da ordem (injusta) estabelecida". E quando fala-se de luta atifascista, não se ater a apenas aquelas expressões do fascismo europeu dos anos 40 (que ainda persistem e precisam ser combatidas), mas também as suas adaptações e expressões posteriores não-assumidas, como as ditaduras ultra conservadoras e os Estados populistas altamente militarizados, cujo sistemas geram opressões estruturais a certos grupos sociais colocando-os, grosseiramente falando, como "pessoas com menos direitos", sendo pessoas com mais dificuldade de ascensão social e muito mais aptas a sofrer diferentes formas de violência, desde as psicológicas até as mais brutais. O ódio estrutural e sintomático, que tem promovido por toda história do Brasil um verdadeiro genocídio das minorias. Minorias são pessoas marginalizadas em uma sociedade devido aos aspectos econômicos, sociais, culturais, físicos ou religiosos. Os séculos de escravidão legalizada, os contínuos massacres indígenas, os recordes mundiais de assassinato de pessoas trans, fora incontáveis outras pautas e denúncias que são discutidas pelos movimentos negros, pelos moradores de vilas e favelas, pelas comunidades indígenas e pela comunidade LGBT, são alguns exemplos que nos ajudam a entender porquê os índios, os negros, as mulheres, os gays, os transexuais, pessoas com deficiência, os favelados e as pessoas em situação de rua são exemplos históricos de minorias na sociedade brasileira, e mereciam um acolhimento diversificado por parte do Estado. Esses segmentos sociais que muitas vezes se organizam em grupos e movimentos apenas para exigir seus direitos e criarem redes de apoio mútuo, encontram grandes dificuldades para obter alguma forma de justiça. Devemos nos opor às organizações e políticos que sejam contrários a luta pelos direitos das minorias, pois esse tipo de expressão política agressiva conservadora, vide o bolsonarismo, se nega a assumir que são agentes de intensificação do sistemático extermínio de pessoas pobres e minorias no Brasil.
O escritor italiano Umberto Eco foi um autor que conseguiu condensar bem a noção de "fascismo eterno" e aponta algumas semelhanças entre os sistemas fascistas em geral. Dentre algumas noções, ele destaca o racismo como um dos traços determinantes de um fascista; o machismo e o desrespeito pelo feminino; a intolerância e desprezo pelas pessoas LGBTs; o militarismo exacerbado, operações armamentistas e bélicas vendidas como prioridades estratégicas para o bem estar social; a insistência em narrativas violentas de complô, onde tentam direcionar a insatisfação popular a seu favor, fazendo com que a culpa dos problemas da sociedade recaiam sob grupos marginalizados, como por exemplo os indígenas, os quilombolas ou famílias refugiadas; o rechaço ao modernismo e o apego exacerbado pelas tradições; o enfraquecimento da ciência em detrimento de noções enviesadas e místicas; a tentativa de construção de um Estado altamente autoritário e conservador.
A luta Antifa no futebol preza pelo suporte aos movimentos sociais, pela defesa do povo, pelo respeito a vida das pessoas marginalizadas e seu direito de existir e serem livres, "pelo banimento de todas as formas de fascismo, desde aquelas, colossais, que nos envolvem e nos esmagam, até as formas que fazem a amarga tirania no cotidiano de milhões de vidas", como diz Foucault em seu manifesto antifascista publicado em 1977, como prefácio para a versão americana de O Anti-Édipo, livro de Deleuze e Guattari.
Devemos lembrar que somos uma sociedade, mulheres e homens, amantes do futebol. Nós do Crônicas Alvinegras entendemos que o esporte é carregado de valores que compreendem a valorização das manifestações culturais, do sentimento de pertencimento, da amizade, do respeito, do lazer em comunidade, que são valores humanos, profundamente sociais. O futebol poderia ser um lugar (mercadológica e culturalmente falando) cujos agentes tivessem uma preocupação cuidadosa sobre como construir e vivenciar esse universo e entender seu impacto no mundo não-futebolístico. Logo, é importante afastar para bem longe a falácia de que futebol e política não se misturam. E por se tratar de um universo muito grande, que gera grande influência sobre a vida de milhões de pessoas e que movimenta diversos segmentos da economia, e principalmente, por ser impossível fazer essa separação entre futebol e política, que as organizações, os clubes, as torcidas e qualquer pessoa ou instituição que viva o universo do futebol, deve ser muito cuidadoso ao se posicionar sobre o assunto.
Dito isso, lembremos que estamos no Brasil. Temos em nosso país problemas crônicos de racismo, de misoginia, de homofobia e transfobia. Somos netos de um colonialismo que massacrou até praticamente extinguir a população indígena e agora somos a sociedade do capital.
Na vida atual, sob ideologia neoliberal, tudo é parte do mercado, assim como fizeram com a saúde, com a educação, com a moradia, o futebol não fica de fora dessa lógica. O futebol deixou de ser um mero jogo e tornou-se um grande negócio onde os interesses econômicos e políticos desempenham papel protagonista nesse universo, criando todo tipo de interferências no jogo, desde a relação do mercado de jogadores, onde os melhores vão para os clubes que tenham mais poder financeiro, até nas competições, vide os vários escândalos comprovados de manipulação de arbitragem e de decisões nos tribunais desportivos. Privatizaram os clubes (que não tiveram outra opção para não quebrarem) e deixaram as federações nas mãos de grupos de pessoas que não se importam com a vida do povo, mas apenas em favorecer seus interesses políticos e financeiros. O lucro de poucos está acima da vida de muitos.
Na América Latina, o futebol tem potencial para ser uma ferramenta revolucionária, mas para isso acontecer é preciso que o povo esteja presente, consciente e atuante. Presente nos estádios e nas ruas; atuando não apenas em defesa de seu clube, mas como classe trabalhadora unida, fortacelendo os movimentos sociais e a luta antifascista de modo geral. Todavia, infelizmente, temos caminhado na direção oposta. O chamado "futebol moderno" tem conseguido cada vez mais tirar o poder revolucionário do futebol, banindo o povo de suas arenas, e transformando o seu público em meros consumidores-espectadores - para eles, o bom torcedor é aquele indivíduo com alto poder aquisitivo que assiste ao jogo sentado e em silêncio, e que não participará de nenhuma "baderna" - e é esse público que tem tomado cada vez mais conta dos estádios brasileiros. Conseguiram banir as torcidas organizadas, conseguiram banir o torcedor comum de levar sua bandeira individual e conseguiram proibir o sujeito de se manifestar politicamente mediante punição contra ele e ao clube. Nem é preciso falar do preço dos ingressos e da dificuldade que é para o trabalhador ir ao estádio com sua família.
O autor austríaco Gabriel Kuhn, em seu livro "Futebol versus poder" busca refletir qual papel as instituições e as pessoas que vivem o futebol podem ter na busca para torná-lo um espaço mais digno, acessível e até revolucionário. Ele comenta que "no imaginário popular, a variante do futebol latinomericano é sinônimo de emoção, êxtase, fantasia, espontaneidade, instinto, ritmo e imprevisibilidade. Isso foi notoriamente resumido na noção brasileira de Futebol Arte. Os esquerdistas basearam sua compreensão do futebol em tais distinções." O famoso técnico argentino César Luis Menotti fez distinção entre "futebol de direita" e "futebol de esquerda". O primeiro significava futebol em que "apenas o resultado conta e em que os jogadores são rebaixados a mercenários, pagos para garantir a vitória a todo custo"; o segundo significava um futebol que "celebrava a inteligência e criatividade" e que "queria que o jogo fosse um festival". Nós do Crônicas Alvinegras gostamos de ver o futebol como uma celebração social e um espaço de liberdade, de paixão, de respeito e de valorização da nossa história. Amamos o Clube Atlético Mineiro e sempre vamos participar de debates e projetos que possam ajudar a dignificar nosso glorioso clube, e ajudar nossa imensa e apaixonada torcida a ser cada vez mais feliz, cativante, diversificada, consciente e revolucionária. Por essas e outras, somos totalmente contra torcedores cornetas, racistas, LGBTfóbicos, machistas e preconceituosos de forma geral. O resultado não é o mais importante em um jogo do Galo. Claro que queremos ganhar e vamos torcer sempre para vencer. Mas não podemos perder os valores que dignificam o esporte. Não somos aquele tipo de torcedor que fala que "devia ter ficado em casa" se o time perde. Vamos ao estádio para ver o Galo, para curtir a torcida, para extravasar em cânticos nossas angústias, para nos divertir com nossos amigos, para sofrer ou comemorar o jogo. A vitória é a cereja do bolo, é algo extraordinário, é fantástico, é o que nos enche de alegria e esperança, mas não é a única coisa que importa. O que mais importa no estádio é cumprir nosso papel de atleticano e cidadão, e é isso que nos deixa realizados, mesmo nas dolorosas derrotas.
No Crônicas Alvinegras, você encontrará textos que buscam fortalecer a luta progressista com reflexões e histórias que dignificam o futebol como espaço cultural onde também há de empreender a luta anticapitalista e pautas identitárias, promovendo e dando suporte para iniciativas de vanguarda futebolística e as lutas sociais.
Pela luta contra o capital e não a luta entre as torcidas - pela unidade da classe trabalhadora contra as mais variadas formas de opressão.
Viva a Massa do Galo, viva o poder popular!


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