O confronto contra o Schalke 04 foi a quarta partida feita pelo Galo sob temperaturas de trincar os dentes naquela jornada em território europeu. "Quando chegamos a Munique, fazia doze graus abaixo de zero", recordaria anos depois o centromédio Zé do Monte, ou melhor, Sua Excelência José do Monte Furtado Sobrinho. "Antes dos treinos, tomávamos uma talagada de cana para aquecer, mas não adiantava muito, porque o frio era mesmo de doer". Detalhe: os uniformes levados pela delegação eram os mesmos usados em jogos no Brasil. Camisas de malha de algodão, calções e meias normais e chuteiras sem forração, que faziam o pé endurecer em contato com o chão gelado. Foi, sem dúvida, uma falha da organização - um desses tributos que a inexperiência cobra dos pioneiros. A temperatura glacial foi apenas um dos obstáculos superados naquela jornada.
Houve de tudo. Pra começar, os empresários alemães que haviam acertado a viagem não eram flores que se cheirasse. Agiam de maneira tão evasiva que ninguém na delegação dava um níquel por sua honestidade. Marcaram jogos de forma desordenada, numa programação tão maluca que deixou os atletas furiosos. Uma das partidas foi disputada menos de 24 horas após o jogo anterior. Depois, houve uma semana inteira de espera pelo confronto seguinte. Desorganização total.
Os desacertos não impediram o time de fazer uma campanha magnífica. Entre 1 de Novembro, a estréia, e 7 de dezembro, o último jogo - espaço de apenas um mês e uma semana-, foram dez partidas. Jogos difíceis, contra alguns dos melhores quadros da Europa. No total, seis vitórias, dois empates e duas derrotas.
Com frio e tudo, os estádios estavam sempre cheios e chegaram a receber públicos superiores a 30 mil pessoas - e o que mais impressionou os europeus foi a categoria atleticana. O ponta-esquerda Nívio Gabrich, a quem a bola chamava de amo e senhor, cansou de ser aplaudido. Afonso, o bandejão, xerife, foi muito elogiado. Zé do Monte foi aclamado pelas jogadas magníficas.
A recepção mais calorosa que deram ao Atlético foi mesmo na Alemanha. Os jogadores eram convidados para festas depois das partidas e chegaram a ser aplaudidos nas ruas nos momentos em que tinham o ânimo de sair sob temperaturas glaciais.
À medida que a excursão avançava, a temperatura baixava ainda mais. O chefe da delegação, Domingos Dangelo, mandou providenciar camisas de là, brancas, de mangas compridas, que os jogadores usavam embaixo do manto. No jogo de Paris, por exemplo, o gramado do Parc des Princes desaparecera sob um tapete espesso de gelo. O jogo foi realizado mesmo assim. A situação era tão dramática que, Abdo Arges, médico da delegação atleticana, aguardava atrás do gol de Kafunga com uma bolsa de água quente: "quando a bola estava na frente, eu ficava com as mãos na bolsa para não perder os movimentos dos dedos."
Depois, novos problemas. Uma crise de hipotermia quase mata o jogador Barbatana, um dos reforços que o Atlético levou à Europa naquela excursão. Mais: o empresário acabou não acertando os dois últimos jogos que se comprometera a promover, e o time resolveu voltar.
Como era final de ano e os aviões de passageiros da época tinham capacidade reduzida, os jogadores tiveram de viajar em pequenos grupos. Os últimos a deixar Paris foram Haroldo, Oswaldo, Kafunga, Vicente Peres, Zezinho e Vavá. Viajaram a bordo do DC-4 de prefixo OU-KLO, da SAS. Após pouso no Rio de Janeiro, sob agradabilicimo calor, a delegação fora reagrupada. Todos novamente juntos, voaram até o aeroporto da Pampulha, num DC-3 da Aerovias Brasil. Finalmente, Belo Horizonte!
Mais de 50 mil atleticanos saíram às ruas para saudar os jogadores. Em plena segunda-feira, 18 de dezembro de 1950, o mar de chapéus se estendia por mais de dois quilômetros na avenida Afonso Pena. Ia da esquina dos Caetés até o encontro com a Álvares Cabral. Era o reencontro com a rotina alvinegra: festa para os lutadores vitoriosos!
Aquele foi um feito e tanto, e a taça que comprova o sucesso atleticano - recebida pelo capitão Zé do Monte ainda no campo gelado do Parc des Princes - hoje está em Lourdes, junto de centenas de troféus. Clubes como o belga Anderlecht e o austríaco Rapid Viena, eram os grandes representates de seus países. Os alemães Shaalke 04, Werder Bremen, Munique 1860 e Hamburgo, eram alguns dos clubes mais fortes da Europa da época. O jornal Estado de Minas, coberto de razão, comparou o saldo daquela viagem vitoriosa à conquista de um título. E fez do Atlético o Campeão do Gelo.
Resultados
1 de novembro | ![]() | 3-4 | ![]() | |
Thanner ![]() Sommer ![]() ![]() | Ficha do Jogo | Lucas ![]() ![]() Lauro ![]() Vaguinho ![]() |
4 de novembro | ![]() | 0-4 | ![]() | |
Ficha do Jogo | Nívio ![]() Alvinho ![]() Lucas ![]() ![]() |
5 de novembro | ![]() | 3-1 | ![]() | |
Prausser ![]() Bourdnchi ![]() Poeche ![]() | Ficha do Jogo | Lucas ![]() |
12 de novembro | ![]() | 1-3 | ![]() | |
![]() | Ficha do Jogo | Vaguinho ![]() ![]() Lucas ![]() |
16 de novembro | ![]() | 3-0 | ![]() | |
Dienst ![]() Körner ![]() Probst ![]() | Ficha do Jogo |
20 de novembro | ![]() | 0-2 | ![]() | |
Ficha do Jogo | Nívio ![]() ![]() |
22 de novembro | ![]() | 1-2 | ![]() | |
Mermans![]() | Ficha do Jogo | Vaguinho ![]() ![]() |
26 de novembro | ![]() | 3-3 | ![]() | |
Schroder![]() Thamm ![]() ![]() | Ficha do Jogo | Vaguinho ![]() Alvinho ![]() Murilinho ![]() |
5 de dezembro | ![]() | 3-3 | ![]() | |
Müller ![]() Hermann ![]() Juca ![]() | Ficha do Jogo | Vaguinho ![]() Lauro ![]() Nívio ![]() |
7 de dezembro | ![]() | 1-2 | ![]() | |
Drouet ![]() | Ficha do Jogo | Nívio ![]() Lucas ![]() |
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Os jogos eram anunciados na cidade e o público compareceu aos estádios: curiosos em conhecer, pela primeira vez, o futebol brasileiro. |
- Referências
- GALUPPO, Ricardo. Raça e Amor - A Saga do Clube Atlético Mineiro Vista da Arquibancada. BDA, 2003. Coleção Camisa 13. 173 p. ISBN 8572342818
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