sábado, 30 de abril de 2016

A HISTÓRIA DE HUMBERTO MONTEIRO





Ídolo atleticano, o capixaba foi lateral direito titular no período de 1967 até 1972, completando 219 atuações com a peita alvinegra. Humberto Monteiro foi peça importantíssima na conquista do primeiro campeonato brasileiro em 1971. Além do título brasileiro, Humberto Monteiro participou da histórica vitória atleticana sobre a super-seleção brasileira, em 1969, por 2 a 1, no Mineirão.
O camisa 2 foi uma das peças mais importantes do sistema defensivo do Galo em sua época. Foi eleito o melhor lateral direito do Brasil em 1970 e 1971 vencendo o troféu Bola de Prata da Revista Placar.





No meio dos anos 70, Humberto Monteiro voltou para Espírito Santo e encerrou sua carreira na Desportiva Ferroviária. Passavam-se nove anos após o título brasileiro pelo Galo, e o jogador vivia na miséria e sem nenhum patrimônio acumulado. Em um amistoso realizado pelo alvinegro contra o time capixaba no Espírito Santo, o armador Ângelo presenciou Humberto Monteiro naquelas condições e pediu a Piazza uma ajuda ao ex-atleta. Presidente da Associações de Garantia ao Atleta Profissional (AGAP), Piazza pediu que Humberto viesse com todos os documentos para Belo Horizonte dois dias após. Entretanto, já na capital mineira, no dia 27 de Março de 1980, dois dias após o aniversário do Clube Atlético Mineiro, Humberto Monteiro, aos 33 anos, passou mal e faleceu. Seu corpo foi velado no Cemitério do Bonfim. Humberto há de ser celebrado como um dos maiores laterais direitos da história do Atlético.



Salve Humberto Monteiro!

OS VINGADORES DE 78 - CAMPEÕES DOS CAMPEÕES


O time de 78 merece um lugar especial no coração de todo atleticano.
Primeiramente porque foi com esse esquadrão que o Atlético deu início a uma série de conquistas épicas que culminou no sensacional Hexacampeonato Mineiro de 1978 a 1983.
Além disso, 78 tambem era o ano em que o Atlético disputava pela segunda vez a Copa Libertadores da América. 

VINGADOR - Poucos meses após a "tragédia de 77" mal esperavam os tricolores que o Atlético teria novas chances de reescrever sua história: enfrentou e eliminou sem dó o São Paulo da Libertadores: após empate de 1 a 1 no Mineirão o Galo venceu o tricolor por 2 a 1 em pleno Morumbi lotado. Com um time fortíssimo o Galo fez uma digníssima campanha perdendo apenas nas semi-finais pro Boca Jrs, que havia sido campeão no ano anterior e seria bi-campeão naquele ano.

E no dia 22 de Agosto de 1978 chegava a hora de enfrentar mais uma vez os paulistas em uma grande final de um torneio nacional: a final da Copa dos Campeões do Brasil.
Aquele mesmo time que meses antes havia amargurado o vice invicto, lutou, lutou e lutou para honrar o manto sagrado alvinegro e mostrar mais uma vez que é o Vingador de Minas - após empate no tempo normal por 0 a 0, era a hora do coração atleticano afastar de vez todos os traumas da mesma maneira que ocorreram: na disputa de penalidades. E com duas grandes defesas de João Leite, o Galo venceu por 4 a 2 e sagrava-se CAMPEÃO DOS CAMPEÕES DO BRASIL encima daquele mesmo arrogante tricolor paulista - O escudo do Clube Atlético Mineiro recebeu uma estrela vermelha em 1979, representando a heróica e vingadora conquista.

"Nós somos Campeões dos Campeões, somos o orgulho do esporte nacional!"



Esquadrão dos Campeões dos Campeões de 1978:


João Leite, Alves, Modesto, Márcio, Hilton Brunis, Toninho Cerezo, Danival, Paulo Isidoro, Serginho (Marcinho), Jorge Campos (Marinho) e Ziza. Técnico: Barbatana.

FREGUÊS 5 ESTRELAS - OS MAIORES CONFRONTOS


 Sempre que o embate foi realmente importante, o time azul entrou na cancha e deparou-se com seu algoz alvinegro: tremeu.
Dos 4 grandes confrontos a nível nacional/internacional que os Deuses do futebol proporcionaram entre o Clube Atlético Mineiro e o seu arqui-rival, só deu Galo.



A primeira vez foi nas quartas de final do Campeonato Brasileiro de 1986 - o Galo tinha vantagem de jogar por dois empates porque fez melhor campanha nas duas primeiras fases do torneio - A equipe alvinegra, comandada por Ilton Chaves, tinha craques como Luisinho, Elzo, Nelinho, Zenon e Sérgio Araújo. No primeiro jogo Mineirão lotado, jogo pegado e um frio 0 a 0. Já na volta, o empate heróico por 1 a 1 levou o time da Massa para as semifinais. Era o início da supremacia alvinegra nos confrontos diretos contra seu maior freguês.


A segunda vez foi na Copa Ouro de 1993, onde participariam as equipes vencedoras dos principais torneios Sulamericanos da época, e o Atlético, que havia sido campeão da Copa Conmebol de 1992, conquistou sua vaga.
Belo Horizonte, dia 8 de Julho de 1993. Semi-final da Copa Ouro - desta vez, além de valer uma vaga para uma final, valia também o romantismo de eliminar o grande rival de uma competição Sulamericana - Esta foi a primeira e única vez da história que Atlético e Cruzeiro se enfrentaram num mata-mata em nível internacional.
Em um jogo muito disputado e amarrado, terminou empatado em 0 a 0. Veio a prorrogação e muito nervosismo de ambos lados: nada de gols. Chegava a hora de sanar as dúvidas, quem ficaria com a glória? Na disputa de pênaltis, melhor para o Clube Atlético Mineiro, que venceu por 5 a 4 após a última cobrança mal batida de Cleisson: vaza raposa, aqui é Galo Doido!


Seis anos mais tarde, no celebradíssimo confronto das quartas de final do Brasileirão 1999, quem tinha a vantagem por ter feito melhor campanha anterior era o time celeste, que jogava por vitória e empate ou por três empates. Segundo colocado entre os 22 envolvidos na disputa, o time do Barro Preto teve azar de topar justamente com seu maior terror: o valente Galo impôs sua raça e aplicou uma goleada já no primeiro jogo por 4 a 2. As minorias ficaram descontroladas.
Comandado por Humberto Ramos, a equipe tinha a dupla de ataque Guilherme/Marques como destaque, além de feras como Velloso, Belletti, Alexandre Gallo, Robert, Caçapa e Lincoln.
A segunda partida, no dia 21 de novembro foi inesquecível - o ex-Palestra vencia até os 15 minutos finais e poderia forçar a realização da terceira partida - mas o Galo lutou até conseguir a virada, e aos 35 do segundo tempo Guilherme, de peito, virou o placar, 3 a 2. Belo Horizonte virou um inferno!


- O MAIOR CONFRONTO DA HISTÓRIA:
Em 5 de novembro de 2014, as equipes mineiras bateram seus oponentes e se classificaram para a grande final da Copa do Brasil - O Galo havia quebrado tabus e levado a Massa ao delírio após eliminar Corinthians e Flamengo em viradas históricas, ambas por 4 a 1. Enquanto isso o time celeste tivera um trajeto muito mais fácil na competição, mas isso pouco importava, porque era chegada a hora do maior confronto da história, o clássico dos clássicos: a final do milênio - Pela primeira vez na história, as duas equipes decidiam um título nacional.
Em 12 de novembro acontecia a primeira grande peleja no Horto, alçapão da invencibilidade atleticana e não deu outra: Luan abriu o placar logo aos 8 minutos de jogo e o argentino Jesús Dátolo ampliou aos 15 do segundo tempo: 2 a 0.
E na noite de 26 de novembro, voltávamos ao palco do Mineirão para decidir a grande final. Esperava-se um Cruzeiro jogando pra cima mas o que se viu foi justamente mais um baile do Atlético - Quando Don Diego Tardelli fez o gol de cabeça o time azul se via em uma missão impossível, que aliás, só não era impossível para aquele próprio Atlético. E não deu outra: após as duas vitórias imponentes o Galão insano da Massa sagrava-se campeão encima do rival após uma campanha épica!
O brado retumbante do povo heróico atleticano levou a turma do ex-Palestra às margens nada plácidas da tristeza. Os grandes meios de comunicação transmitiam o jogo e não havia como esconder: aqueles 1.800 guerreiros alvinegros estavam calando 35 mil vozes cruzeirenses. Na marra. E sairam de lá com a garganta sangrando, com a faixa de campeão estampada no peito e encontraram Belo Horizonte à beira do caos como nunca se viu antes.
Ao lado do hino do Clube Atlético Mineiro, o cântico "Eu sei que você treme"(melodia retirada de Creedence Clearwater Revival "Bad Moon Rising"), foi o preferido a ser bradado pelo povo nas ruas de Minas Gerais afora. O lado azulado jamais compreendeu seu destino de freguês: é sua sina.


O MESTRE TONINHO CEREZO




        O empate heróico, no dia 02 de agosto de 1997, no último minuto, diante do Milan da Itália foi o jogo de despedida de um dos maiores jogadores que já vestiram a camisa do Atlético: Antônio Carlos Cerezo. Alguns torcedores jamais conseguiram perdoá-lo pelo fato de, já em final de carreira, ter atuado em meia dúzia de jogos com a camisa do time do Barro Preto. (Foi um erro, e o próprio Cerezo se convenceu rápido disso.) Outros o condenaram pelo acidente de percurso que resultou numa vitória do ex-Ipiranga sobre o Galo - no período em que, treinador do alvinegro, lutava para colocar a casa em ordem. Nada disso esconde a verdade: o craque Toninho Cerezo foi um dos maiores torcedores que o Atlético teve em campo.
O mestre Cerezo é filho do palhaço mais famoso de Belo Horizonte - o 'Moleza' dos programas infantis da TV Itacolomi. Toninho chegou a acompanhá-lo em algumas apresentações em circos montados pela periferia de BH - também vestido de palhaço e apelidado de 'Dureza'. A carreira no picadeiro durou pouco. O menino tinha oito anos quando perdeu o pai. A mãe, Helena Robattini Cerezo, continuou trabalhando como atriz na Itacolomi e em circos pelo interior. O menino jogava no Ferroviário, time do bairro Esplanada, e foi então, recomendado ao Atlético por um torcedor ilustre: o bispo dom Serafim Fernandes de Araújo - ele só deixaria o clube em 1982, quando teve o passe negociado com o Roma.
Toninho que só se referia ao Atlético como "Glorioso", demonstrou pelo time um amor como poucas vezes se viu num craque de sua envergadura. Sempre teve um prazer especial em vencer o time do outro lado da lagoa, de preferência com show de bola. Num jogo disputado no dia 26 de outubro de 1980, marcou o único tento de uma vitória alvinegra sobre o ex-Ipiranga. Foi um lance desengonçado, na raça, da linha de fundo. Para tirar uma com a torcida adversária, disse à imprensa ao final da partida: "Foi um gol consciente. Chutei com o terceiro dedo no quinto gomo da bola".
Maestro habilidoso, de distintas virtudes, consagrou-se principalmente pelos longos e certeiros lançamentos - com o tempo, acostoumou-se a fazer super-lançamentos de trás do meio-campo deixando o centro-avante sempre na cara do gol - e a Massa aprendeu a amar seu estilo peladeiro e passou a respeitá-lo como Senhor Absoluto da Meia-Cancha. Cerezo está, sem dúvidas, no hall dos maiores lançadores da história do futebol. Somente sua presença em campo bastava para intimidar os adversários.
Toninho casou-se com Rosa Helena e tiveram quatro filhos. 
Ele estreiou num jogo oficial com o manto sagrado no dia 19/02/1974 e entre os anos de 1974 e 1983, conquistou 9 títulos e participou de duas Copas do Mundo, sendo que na primeira, ainda jogador do Atlético, foi consagrado como revelação do torneio. Aos 42 anos de idade, voltou ao Galo para fazer sua partida de despedida na memorável Copa Centenário de Belo Horizonte - Ao todo fez 400 jogos pelo Glorioso, conquistando nessa saga atleticana 12 canecos.


O PIONEIRO CAMPEÃO DOS CAMPEÕES NACIONAIS


O futebol no Brasil se profissionalizou em 1933. É certo que antes disso o esporte já havia se instalado como organização popular, mas a partir daí a coisa se oficializou. Com isso, pouco depois, houve um dos mais importantes torneios organizados da história do futebol brasileiro: o primeiro torneio inter-estadual profissional do futebol nacional.



        O ano era 1937, e o trem da Central do Brasil seguia em direção a Belo Horizonte - num dos vagões, estavam os jogadores do Clube Atlético Mineiro - quem olhasse seus rostos saberia estar diante de um time vitorioso - a equipe retornava de São Paulo, onde batera a Portuguesa de Desportos por 3 a 2 e confirmara a conquista do primeiro torneio profissional de âmbito nacional organizado na história.


Promovido pela Federação Brasileira de Futebol, o torneio reuniu campeões estaduais do ano anterior, sendo o primeiro torneio do futebol brasileiro a contar com representantes de mais de dois estados - já contando com os campeões de 4 estados para testarem forças e coroar aquele que seria consagrado pela primeira vez com a soberania nacional - por São Paulo atuou a Portuguesa. Pela até então capital federal, Rio de Janeiro, atuou o Fluminense. O Rio Branco representava o Espírito Santo e o Galo, Minas Gerais.

A noite já caíra quando o trem enfim chegou à estação de Belo Horizonte, após dezoito horas de viagem. A cidade recebia o esquadrão com um carnaval eufórico. A diretoria do Atlético alugara táxis, que, com as capotas arriadas, levariam os heróis até o estádio de Lourdes. Sob gritos e aplausos, os jogadores caminharam até os automóveis. Os motoristas quiseram dar a partida para iniciar o desfile e a torcida não permitiu: "Fomos empurrando os carros, com os motores desligados até Lourdes." Ao som de uma banda de música, a Massa levou os jogadores.





O Atlético entrara naquele campeonato com um timaço. Contava com craques do nível de Grande Nicola, Zezé Procópio, Rezende e o polivalente matador Guará, um dos maiores personagens alvinegros, sendo o quarto maior artilheiro da história do Atlético e o maior artilheiro dos clássicos mineiros. Para o gol, tínhamos o jovem Olavo Leite Bastos, o Kafunga, o goalkeeper mais destemido, que voava nos pés do atacante adversário e fazia qualquer barbaridade para evitar um gol. Senhor absoluto da posição ao longo de duas décadas, defendeu a meta alvinegra por quase seiscentas partidas e vencia quase tudo o que disputava. 

Disputar aquele torneio e, mais ainda, vencê-lo com méritos, não foi nada fácil. As viagens eram sempre extenuantes. A estréia no torneio foi um fiasco, contra aquele que a imprensa nomeava como o favorito ao título, o Atlético sofreu, no Rio, uma senhora goleada para o Tricolor carioca: 6 a 0. Mas a partir daquele instante, o time não mais tropeçaria. No segundo jogo o Atlético goleou a Portuguesa em seu terreiro: 5 a 0. No terceiro jogo, foi até Vitória e conseguiu um empate com o Rio Branco, por 1 a 1. No quarto jogo, era o reencontro, desta vez em BH, com o Fluminense. De nariz empinado, salto altíssimo e certo de que a peleja estava ganha, o Flu via-se tomando o troco do Vingador de 4 a 1, quando aos 63 minutos de jogo abandonou o campo dando-se por vencido. Pelos resultados das outras partidas, o Atlético assumia a liderança da competição. Mais: se vencesse o Rio Branco no compromisso seguinte, em Lourdes, sagraria-se campeão. Isso, uma rodada antes do fim do certame - placar de jogo contra a equipe capixaba: 5 a 1 - "Atlético, o Campeão dos Campeões do Brasil", foi a manchete de alto de página do diário carioca Jornal dos Sports de 4 de Fevereiro de 1937. Tendo o título de campeão garantido com uma rodada de antecipação o Atlético foi a São Paulo apenas para honrar a tabela. Venceu por 3 a 2 os paulistas e agora voltava de trem para casa coroado. Era o Campeão dos Campeões!






Referências 
  • GALUPPO, Ricardo. Raça e Amor - A Saga do Clube Atlético Mineiro Vista da Arquibancada. BDA, 2003. Coleção Camisa 13. 173 p. ISBN 8572342818

GUARÁ-GUARÁ-GUARÁ!




Guará era pouco mais que um menino quando desembarcou em Belo Horizonte para brilhar no Clube Atlético Mineiro. Tinha dezesseis anos. O menino amou o esporte desde a primeira vez que pisou num campo de pelada. Mas encontrou resistências. Miguel Januzzi, pai de Guará, se valia de argumentos sonoros para desencorajar o filho. Muitas vezes tirou o cinto e castigou o garoto diante de todo mundo. Queria deixar claro que ele nunca seria jogador de futebol. Miguel estava errado.
Guará chegou ao Galo pelas mãos de um sócio do Atlético, Lafaiete Maia. Maia viajava a trabalho por todo o estado de Minas. Sempre que chegava em alguma cidade, procurava saber da existência de jogadores de destaque no futebol local. Em Ubá, Zona da Mata, soube de um atacante do Aimorés que, segundo lhe contavam, não apenas fazia chover: quando inspirado, provocava vendavais e inundações. Seu nome? Guaracy Januzzi, o Guará.
Com o tempo, Miguel Januzzi, que era sapateiro, se rendeu à arte do filho. Quando o emissário do Atlético procurou a família Januzzi com uma proposta de contrato para Guará, Miguel não se opôs à idéia.
Guará foi o primeiro a ocupar o dormitório construído sob as arquibancadas da rua Rio Grande do Sul. Dali em diante, aquele alojamento foi moradia de centenas de meninos aspirantes ao futebol do Atlético. Quase quarenta anos depois, em 1971, chegaria outro grande gênio, desta vez de Ponte Nova para viver no mesmo dormitório e jogar no Atlético. Reinaldo, foi um dos últimos atletas a viver no alojamento do estádio de Lourdes - já então um lugar velho e decadente. Guará foi o primeiro.
Aquele ano de 1933 foi também o primeiro da vigência do profissionalismo no futebol brasileiro. As razões que levaram o presidente do Atlético a apoiar o profissionalismo em Minas eram exatamente as mesmas que levaram os dirigentes mais sensatos do Rio e de São Paulo a pedir a legalização do pagamento de salários aos craques. Naquele tempo, o futebol do Brasil se tornara, sob todos os aspectos, um ilha de amadorismo em meio a um mar de clubes e federações poderosas. Além da Europa, o Uruguai e a Argentina já desde os anos 20 reconheciam as remunerações. O Brasil acabou sitiado: bastava o clube estrangeiro aparecer e fazer uma oferta de contrato para levar o jogador que bem entendesse. O time brasileiro não tinha responsabilidades, mas também não tinha direitos sobre o atleta. O Peñarol do Uruguai levou Leônidas da Silva. O Boca Juniors da Argentina contratou Domingos da Guia. Os dois eram craques da seleção.
Em 1933 o Atlético ainda vivia um momento de adaptação aos novos tempos. Em 1931, perdera Mário de Castro, primeiro ídolo da história do clube, que havia se aposentado. Passaram-se os anos e Guará consagrava-se como o novo grande ídolo de um Atlético vencedor. O time era repleto de grandes jogadores, todos saudados na rua como jogadores do Atlético. Mas nenhum outro tinha o prestígio que se igualasse ao de Guará. Guará é até hoje o maior artilheiro dos clássicos de Minas Gerais. Aos gritos de "Guará-Guará-Guará!", o "Diabo Loiro", como era saudado pela Massa, elevou em 1937 o fortíssimo esquadrão alvinegro ao seu primeiro título nacional, o primeiro da história do futebol profissional do país. Éramos os Campeões dos Campeões!
O time comandado pelo gênio Guará, especificamente no período de 1937 a 1939, teve uma das maiores sequências de invencibilidade da história dos clássicos com 10 jogos. (Oito vitórias e dois empates). Esse time já havia conquistado também o campeonato mineiro em 36 e seria novamente campeão em 38, invicto. E em 1939, levantaria outro bicampeonato. Mas desta vez, e pela única vez na história, a comemoração seria acanhada: naqueles dias, a torcida acompanhava a luta pela recuperação de seu principal jogador. "A fama teve inveja de Guará", escreve Ary Barroso no prefácio do livro "Cabeçada Fatal".


Parte do esquadrão Bi-campeão de 1938/1939, Guará é o terceiro da direita para esquerda.

No dia 04 de julho de 1939, o Atlético Mineiro e o Palestra Itália se enfrentavam pela segunda rodada do Campeonato da Cidade. Aos dez minutos de partida Kafunga faz uma defesa e percebe Guará livre e atira a bola em direção ao mestre. Até a grama sabe: bola alta é de Guará. O craque pula. O zagueiro Caieira salta e, com a testa, atinge a nunca do artilheiro. Os dois caem. Caieira se levanta. Guará, não. Guará estava inconsciente. A platéia assiste a tudo no mais amedrontado silêncio. Muitos choram. Guará foi recolhido à enfermaria. Ele permaneceu mais de uma hora desmaiado no ambulatório do estádio de onde foi levado em coma para o Pronto Socorro. Seguindo conselho médico foi transferido, no dia seguinte, para o Hospital São José, onde os fãs faziam fila, rezavam. Mais de 700 pessoas faziam plantão na porta do hospital, à espera de um milagre.

Mais de 72 horas depois, Guará começa a voltar ao mundo. No início da noite, desperta com voz firme, pede café. Em segundos, a notícia se espalha pelo hospital. "Guará pediu café! Guará pediu café!" Horas depois, Belo Horizonte inteira já sabe. "Guará pediu café!" Aos poucos, a consciência volta. O craque estava salvo, mas começava ali um novo calvário. Tentaria voltar aos gramados e ainda faria até alguns gols. Mas, vítima de traumatismo craniano, o gênio Guará nunca mais conseguiu jogar seu futebol, apesar das tentativas. Nunca mais repetiria os dribles brilhantes, as arrancadas infernais, ou a jogada que ele batizou de "Viva São João!". Alguns meses se passaram e Guaracy Januzzi cansou de insistir. E aos 25 anos, aposentou-se. O futebol perdia Guará.
O Diabo Loiro é o quarto maior artilheiro da história do Galo com 168 gols em 200 jogos.




Guará-Guará-Guará!

A ALVORADA DO POVO

"O Atlético é o time das pessoas"

Massa do Galo nos anos 50 ainda no antigo Antônio Carlos. Torcida de vanguarda.


O que se passou na vida do Atlético até o clube completar seu cinquentenário, em 1958, deve sempre ser analisado com muito mais carinho e cuidado do que em qualquer outra época que se possa haver. Assim como para Freud, onde os primeiros anos de vida são definidores de várias questões do ser, de construção e de identidade, esses cinquenta primeiros anos do clube foram definidores da grandeza, do pioneirismo e da identidade de time do povo.

Em todo o Brasil, nas 5 primeiras décadas do século XX, surgiram e instauram-se, regionalmente, alguns clubes que foram, ao longo destes 50 anos, consagrando-se como maiores que os outros. E o fator básico e definidor de diferenciação destas grandezas foram as conquistas e claro, o tamanho da torcida. Foi aí que o Clube Atlético Mineiro, desde os anos anos 30 (e digo anos 30 porque nas duas primeiras décadas o futebol ainda estava se estruturando, em 1933 o futebol passou a ser oficialmente um esporte profissional ) se consagrou como o time representante do povo de Minas Gerais. Em uma sociedade brasileira ainda aristocrata, o futebol, em si, surgiu como uma opção dos marginalizados. Não era esporte para gente nobre, de classe alta. E o Atlético desde de sua fundação representou o sonho subversivo do povo mineiro. Com todas as dificuldades, aquele sonho de ter um time de futebol que representasse Minas Gerais era tratado por aqueles garotos quase como um sonho impossível. Porém o Galo foi abraçado pela população e se configurou como o time das multidões. O Atlético é pela sua essência o time do povo oprimido, do torcedor apaixonado, sonhador, fanático e completamente louco pelo clube. Em Minas Gerais, em questão de futebol e torcida, o Atlético foi pioneiro em tudo*. O Atlético foi o primeiro time do Brasil e certamente do mundo a ter uma torcida organizada feminina. Quem a criou foi essa mulher fantástica, que apoiou os jovens assim que tomou conhecimento da idéia e jamais permitiu que o sonho fosse posto de lado. Alice foi de casa em casa pedindo autorização aos pais para que suas filhas integrassem o grupo. Conseguiu reunir mais de 50 moças. Alice Neves era uma torcedora e tanto! As camisas e os calções usados pelos primeiros jogadores foram feitos em sua casa. Foi, sem dúvida, o primeiro exemplo de espírito atleticano da história.
Explica-se porque na década seguinte ao cinquentenário o Atlético colecionou erros terríveis. O país vivia tempos difíceis, eram os anos de chumbo da ditadura militar. Além disso, alguns presidentes do clube nesta época fizeram contratações de veteranos a preço de ouro. O Atlético foi se afundando em técnicos decadentes e uma dívida voluptuosa. Não é o caso de jogar a culpa nas costas deste ou daquele presidente pela situação dos anos 60. Mas todo um contexto e a sucessão de pequenas falhas e dificuldades tornou-se um fardo. E esse fardo chegou a ficar tão pesado para o alvinegro, por mais forte que ele fosse, a ponto de cometer o maior erro de sua história, quando o estádio de Lourdes - que deveria ter sido transformado em Patrimônio da Humanidade, apenas por ter sido o chão sagrado onde pisaram Mário de Castro, Guará, Zé do Monte, Murilo Silva, Kafunga, Mexicano e outros centenas de craques - teve de ser negociado para saldar dívidas. Segundo Ricardo Galuppo, escritor e grande historiador atleticano afirma: "quem mais sofreu quando anunciaram a venda foram Leiteiro e Zé das Camisas. Zelador do estádio desde longa data, Leiteiro se aposentou. Zé das Camisas foi em prantos rezar no gramado quando soube que teria que deixar o lugar onde estivera a maior parte da vida. Treinador dos quadros infantis, jardineiro, roupeiro, entre outras funções, Zé das Camisas tinha um zelo sagrado para com as coisas do Atlético. Zé das Camisas foi a última pessoa a deixar o velho estádio Antônio Carlos quando ele fora entregue para a prefeitura de Belo Horizonte "
Após a venda do estádio vieram anos conturbados. Bastava surgir um jovem talentoso como Buglê ou Buião para serem mal negociados. Talvez o clube não resistisse aos contratempos se não tivesse contado com o apoio espetacular da poderosa Força Atleticana de Ocupação, a FAO**. Quem deu esse apelido à Massa foi Fábio Fonseca, outra grande figura atleticana dessa época e que ajudou a segurar as pontas. Fábio Fonseca foi um dos dirigentes que mais encarnaram a imagem do atleticano apaixonado. Médico, ele havia enfrentado os nazistas nos campos de batalha da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial. Foi presidente do Atlético em 1962 e 1963 ( aposentou-se e saiu do cargo após o Golpe Militar). Fábio Fonseca sempre comparecia aos jogos com a camisa do Galo e calças brancas. Não aceitava que ninguém colocasse em dúvida seu amor pelo clube:
"Faço qualquer coisa pelo Altético. Meto o braço na cara de quem tentar passar o Atlético para trás. E topo mesmo qualquer parada. Se for preciso matar... Bom, de qualquer forma eu morro pelo Galo."
Não se pode falar de atleticanismo, e sobre personagens do folclore alvinegro sem falar de José Gomes Ribeiro, o "Sempre". Fizesse sol, fizesse chuva, ele estava no Atlético. A questão é que Sempre não era um funcionário do clube, mas um torcedor! Troncudo, de estatura mediana, Sempre impunha respeito pela força física e pelo vozeirão. Podia-se dizer que seu trabalho ali era apoiar o Atlético. Para ele, o Atlético valia qualquer sacrifício. No seu caso, isso não era apenas retórica. Quando Zé das Camisas precisava de ajuda para reformar o gramado, Sempre era o primeiro a se oferecer. Quando Leiteiro convocava voluntários para pintar as paredes, lá estava Sempre. Nunca cobrou pelos seus serviços; "Ele jamais perdeu um jogo do time", diz Ricardo Galuppo, "ele nunca vaiou um jogador do Atlético e não admitia que ninguém fizesse isso ". Sempre estava presente em quase todos os treinos do Atlético apoiando os jogadores. Nas arquibancadas do velho estádio Antônio Carlos, ou, no Independência, não gostava de sentar para ver o jogo. Caminhava pelas arquibancadas e - com seu vozeirão - passava instruções para os jogadores. Torcedor radical e boêmio inveterado, acabou levando cartão vermelho da mulher, que o pôs para fora de casa. A liberdade o tornou mais boêmio e mais atleticano. Seu estilo de torcer não se adaptou às grandes dimensões do Mineirão, o estádio inaugurado pelo Governo em 1965. Reclamava que ali, suas instruções não chegavam aos jogadores. Até sua morte em 1977, Sempre esteve firme nas arquibancadas.
Todo atleticano é um personagem histórico, e isso todo atleticano sabe. A questão é que, para entrar nos anais da história, para diferenciar-se e consagrar-se dentro da Massa, perante tantos e tantas ao longo da história da torcida, precisa-se muito mais do que sacrificar-se pelo Atlético. É preciso realmente viver e conseguir mudar as coisas por dentro do Clube. O futebol tem potencial para ser uma ferramenta revolucionária, e para isso acontecer é preciso que o povo se posicione. Nos estádios contemporâneos, por diversas proibições da polícia e outros órgãos, não se permite fazer as mesmas festas como outrora, tanto pela proibição de entrada das bandeiras individuais do torcedor comum, quanto pelo preço dos ingressos, que torna o estádio emburguesado e conservador. Mas ainda nos resta muita luta. O atleticano deve ser inteligente para saber analisar a questão em que o Atlético se passa. Mas antes de tudo, o que todo atleticano deve entender, é a essência da torcida do Galo, de saber apoiar e fazer a diferença como nenhuma outra. Lutar, lutar e lutar ao lado do Galo para que ele se mantenha no lugar que sempre deve estar, que é o lugar de clube do povo de Minas Gerais. E todo atleticano tem o potencial e o dever cívico de fazê-lo ser.
O Galo é um clube diferente dos demais por vários fatos que dizem respeito a mesma coisa: sua torcida. O que sempre se viveu dentro do Atlético foi uma vida de muito amor. Todos que estiveram na criação e construção do clube - contando com a sorte ou com azar, com boas ou más escolhas - o fizeram sempre com muito amor. O Atlético é um clube que fora criado pela e para a torcida - É essa loucura vanguardista dos jovens, é essa ousadia subversiva do povo que transformou o Altético no clube com a melhor torcida do Brasil*** - Não é atoa que em tempos de futebol moderno, onde os clubes se tornam empresas que o Atlético tenha ganho a alcunha de ser o time em que o jogador entra profissional e sai torcedor. O Galo é mesmo uma fábrica de paixão.
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* Os 50 primeiros anos do Atlético demarcaram seu pioneirismo dentro e fora de campo: em 1908, o Atlético foi o primeiro time do Brasil e certamente do mundo a ter uma torcida organizada feminina. Ainda em 1908 foi o primeiro time mineiro a trocar as antigas bolas de meia pelas bolas de couro. Seis anos mais tarde, conquistou o primeiro torneio de futebol realizado em Minas Gerais, a Taça Bueno Brandão. Em 1915, venceu o primeiro campeonato oficial de futebol do Estado, organizado pela Liga Mineira de Esportes Terrestres, atual Federação Mineira de Futebol (FMF). Em 1929, em nova página vanguardista, o Galo disputou o primeiro jogo internacional de uma equipe mineira, vencendo o então Campeão nacional Português. Em 1930, o Galo teve o primeiro jogador de fora do eixo Rio-São Paulo convocado para a Seleção Brasileira: o mestre Mário de Castro. Em 1937, o Atlético se sagrou Campeão dos Campeões do Brasil, na primeira competição interestadual profissional realizada no País. Em 1950, o Galo realizou inédita excursão vitoriosa pela Europa. Entre 2 de novembro e 7 de dezembro daquele ano, o time disputou dez partidas contra equipes da Alemanha, Áustria, Bélgica, Luxemburgo e França.
**A FAO (Força Atleticana de Ocupação) foi a primeira torcida organizada de Minas Gerais a levar seus instrumentos e bandeiras a um estádio nos moldes de hoje, em 1969.
***Em 2007 o Atlético foi o primeiro clube a ter alcançado a marca dos dez milhões de torcedores levados ao seu estádio na história dos Campeonatos Brasileiros (Entre 1971 e 2007). Na ocasião calculou-se que 12.350.287 pessoas já foram torcer pelo Galo na principal competição nacional.

NOTA DO CRÔNICAS ALVINEGRAS - "UMA INTRODUÇÃO À VIDA NÃO FASCISTA" - SOBRE O POVO E O FUTEBOL





NOTA DO CRÔNICAS ALVINEGRAS - "UMA INTRODUÇÃO À VIDA NÃO FASCISTA" - SOBRE O POVO E O FUTEBOL
Não existe futebol sem povo. Não existe Galo sem massa.
É imprescindível para o atleticano e para qualquer amante do futebol, antes de qualquer coisa, parar para refletir sobre algumas questões.
Sobre a luta ANTIFA no mundo contemporâneo, deve-se entender que é um conceito que diz respeito ao campo intelectual e prático. Intelectual no sentido de que é um conjunto de reflexões que devem partir do indivíduo, buscando perceber no mundo quais seriam as formas de fascismo presentes na sociedade. No campo prático, como provoca o filosofo francês Michel Foucault, a luta antifascista deve "desdobrar suas forças na esfera política e se intensificar no processo de reversão da ordem (injusta) estabelecida". E quando fala-se de luta atifascista, não se ater a apenas aquelas expressões do fascismo europeu dos anos 40 (que ainda persistem e precisam ser combatidas), mas também as suas adaptações e expressões posteriores não-assumidas, como as ditaduras ultra conservadoras e os Estados populistas altamente militarizados, cujo sistemas geram opressões estruturais a certos grupos sociais colocando-os, grosseiramente falando, como "pessoas com menos direitos", sendo pessoas com mais dificuldade de ascensão social e muito mais aptas a sofrer diferentes formas de violência, desde as psicológicas até as mais brutais. O ódio estrutural e sintomático, que tem promovido por toda história do Brasil um verdadeiro genocídio das minorias. Minorias são pessoas marginalizadas em uma sociedade devido aos aspectos econômicos, sociais, culturais, físicos ou religiosos. Os séculos de escravidão legalizada, os contínuos massacres indígenas, os recordes mundiais de assassinato de pessoas trans, fora incontáveis outras pautas e denúncias que são discutidas pelos movimentos negros, pelos moradores de vilas e favelas, pelas comunidades indígenas e pela comunidade LGBT, são alguns exemplos que nos ajudam a entender porquê os índios, os negros, as mulheres, os gays, os transexuais, pessoas com deficiência, os favelados e as pessoas em situação de rua são exemplos históricos de minorias na sociedade brasileira, e mereciam um acolhimento diversificado por parte do Estado. Esses segmentos sociais que muitas vezes se organizam em grupos e movimentos apenas para exigir seus direitos e criarem redes de apoio mútuo, encontram grandes dificuldades para obter alguma forma de justiça. Devemos nos opor às organizações e políticos que sejam contrários a luta pelos direitos das minorias, pois esse tipo de expressão política agressiva conservadora, vide o bolsonarismo, se nega a assumir que são agentes de intensificação do sistemático extermínio de pessoas pobres e minorias no Brasil.
O escritor italiano Umberto Eco foi um autor que conseguiu condensar bem a noção de "fascismo eterno" e aponta algumas semelhanças entre os sistemas fascistas em geral. Dentre algumas noções, ele destaca o racismo como um dos traços determinantes de um fascista; o machismo e o desrespeito pelo feminino; a intolerância e desprezo pelas pessoas LGBTs; o militarismo exacerbado, operações armamentistas e bélicas vendidas como prioridades estratégicas para o bem estar social; a insistência em narrativas violentas de complô, onde tentam direcionar a insatisfação popular a seu favor, fazendo com que a culpa dos problemas da sociedade recaiam sob grupos marginalizados, como por exemplo os indígenas, os quilombolas ou famílias refugiadas; o rechaço ao modernismo e o apego exacerbado pelas tradições; o enfraquecimento da ciência em detrimento de noções enviesadas e místicas; a tentativa de construção de um Estado altamente autoritário e conservador.
A luta Antifa no futebol preza pelo suporte aos movimentos sociais, pela defesa do povo, pelo respeito a vida das pessoas marginalizadas e seu direito de existir e serem livres, "pelo banimento de todas as formas de fascismo, desde aquelas, colossais, que nos envolvem e nos esmagam, até as formas que fazem a amarga tirania no cotidiano de milhões de vidas", como diz Foucault em seu manifesto antifascista publicado em 1977, como prefácio para a versão americana de O Anti-Édipo, livro de Deleuze e Guattari.
Devemos lembrar que somos uma sociedade, mulheres e homens, amantes do futebol. Nós do Crônicas Alvinegras entendemos que o esporte é carregado de valores que compreendem a valorização das manifestações culturais, do sentimento de pertencimento, da amizade, do respeito, do lazer em comunidade, que são valores humanos, profundamente sociais. O futebol poderia ser um lugar (mercadológica e culturalmente falando) cujos agentes tivessem uma preocupação cuidadosa sobre como construir e vivenciar esse universo e entender seu impacto no mundo não-futebolístico. Logo, é importante afastar para bem longe a falácia de que futebol e política não se misturam. E por se tratar de um universo muito grande, que gera grande influência sobre a vida de milhões de pessoas e que movimenta diversos segmentos da economia, e principalmente, por ser impossível fazer essa separação entre futebol e política, que as organizações, os clubes, as torcidas e qualquer pessoa ou instituição que viva o universo do futebol, deve ser muito cuidadoso ao se posicionar sobre o assunto.
Dito isso, lembremos que estamos no Brasil. Temos em nosso país problemas crônicos de racismo, de misoginia, de homofobia e transfobia. Somos netos de um colonialismo que massacrou até praticamente extinguir a população indígena e agora somos a sociedade do capital.
Na vida atual, sob ideologia neoliberal, tudo é parte do mercado, assim como fizeram com a saúde, com a educação, com a moradia, o futebol não fica de fora dessa lógica. O futebol deixou de ser um mero jogo e tornou-se um grande negócio onde os interesses econômicos e políticos desempenham papel protagonista nesse universo, criando todo tipo de interferências no jogo, desde a relação do mercado de jogadores, onde os melhores vão para os clubes que tenham mais poder financeiro, até nas competições, vide os vários escândalos comprovados de manipulação de arbitragem e de decisões nos tribunais desportivos. Privatizaram os clubes (que não tiveram outra opção para não quebrarem) e deixaram as federações nas mãos de grupos de pessoas que não se importam com a vida do povo, mas apenas em favorecer seus interesses políticos e financeiros. O lucro de poucos está acima da vida de muitos.
Na América Latina, o futebol tem potencial para ser uma ferramenta revolucionária, mas para isso acontecer é preciso que o povo esteja presente, consciente e atuante. Presente nos estádios e nas ruas; atuando não apenas em defesa de seu clube, mas como classe trabalhadora unida, fortacelendo os movimentos sociais e a luta antifascista de modo geral. Todavia, infelizmente, temos caminhado na direção oposta. O chamado "futebol moderno" tem conseguido cada vez mais tirar o poder revolucionário do futebol, banindo o povo de suas arenas, e transformando o seu público em meros consumidores-espectadores - para eles, o bom torcedor é aquele indivíduo com alto poder aquisitivo que assiste ao jogo sentado e em silêncio, e que não participará de nenhuma "baderna" - e é esse público que tem tomado cada vez mais conta dos estádios brasileiros. Conseguiram banir as torcidas organizadas, conseguiram banir o torcedor comum de levar sua bandeira individual e conseguiram proibir o sujeito de se manifestar politicamente mediante punição contra ele e ao clube. Nem é preciso falar do preço dos ingressos e da dificuldade que é para o trabalhador ir ao estádio com sua família.
O autor austríaco Gabriel Kuhn, em seu livro "Futebol versus poder" busca refletir qual papel as instituições e as pessoas que vivem o futebol podem ter na busca para torná-lo um espaço mais digno, acessível e até revolucionário. Ele comenta que "no imaginário popular, a variante do futebol latinomericano é sinônimo de emoção, êxtase, fantasia, espontaneidade, instinto, ritmo e imprevisibilidade. Isso foi notoriamente resumido na noção brasileira de Futebol Arte. Os esquerdistas basearam sua compreensão do futebol em tais distinções." O famoso técnico argentino César Luis Menotti fez distinção entre "futebol de direita" e "futebol de esquerda". O primeiro significava futebol em que "apenas o resultado conta e em que os jogadores são rebaixados a mercenários, pagos para garantir a vitória a todo custo"; o segundo significava um futebol que "celebrava a inteligência e criatividade" e que "queria que o jogo fosse um festival". Nós do Crônicas Alvinegras gostamos de ver o futebol como uma celebração social e um espaço de liberdade, de paixão, de respeito e de valorização da nossa história. Amamos o Clube Atlético Mineiro e sempre vamos participar de debates e projetos que possam ajudar a dignificar nosso glorioso clube, e ajudar nossa imensa e apaixonada torcida a ser cada vez mais feliz, cativante, diversificada, consciente e revolucionária. Por essas e outras, somos totalmente contra torcedores cornetas, racistas, LGBTfóbicos, machistas e preconceituosos de forma geral. O resultado não é o mais importante em um jogo do Galo. Claro que queremos ganhar e vamos torcer sempre para vencer. Mas não podemos perder os valores que dignificam o esporte. Não somos aquele tipo de torcedor que fala que "devia ter ficado em casa" se o time perde. Vamos ao estádio para ver o Galo, para curtir a torcida, para extravasar em cânticos nossas angústias, para nos divertir com nossos amigos, para sofrer ou comemorar o jogo. A vitória é a cereja do bolo, é algo extraordinário, é fantástico, é o que nos enche de alegria e esperança, mas não é a única coisa que importa. O que mais importa no estádio é cumprir nosso papel de atleticano e cidadão, e é isso que nos deixa realizados, mesmo nas dolorosas derrotas.
No Crônicas Alvinegras, você encontrará textos que buscam fortalecer a luta progressista com reflexões e histórias que dignificam o futebol como espaço cultural onde também há de empreender a luta anticapitalista e pautas identitárias, promovendo e dando suporte para iniciativas de vanguarda futebolística e as lutas sociais.
Pela luta contra o capital e não a luta entre as torcidas - pela unidade da classe trabalhadora contra as mais variadas formas de opressão.
Viva a Massa do Galo, viva o poder popular!